O tratamento de lesões cariosas em dentes decíduos especialmente as lesões mais extensas, múltiplas faces comprometidas, nem sempre são fáceis, imagine quando precisa ser feito em crianças não colaboradoras e/ou de pouca idade. Para esses casos, um dos tipos de tratamento que a literatura sugere é a utilização de coroas de aço pré-fabricadas, e ainda, para facilitar o procedimento, utiliza-las com a técnica reconhecida como “Técnica de Hall”, uma vez que essa técnica segue a filosofia de mínima intervenção.
De uma forma mais direta e direcionada para a prática clínica, vamos relatar neste post alguns pontos específicos de um artigo publicado na IAPD intitulado “Temporomandibular dysfuncion assessment in children treated with the Hall Technique: A pilot study”. O estudo aborda as possíveis (se há ou não) alterações da articulação temporomandibular utilizando a Técnica de Hall.
O uso de coroa de aço em odontopediatria: vantagens
De acordo com os autores do estudo, as vantagens de utilizar as coroas em odontopediatria são: tratamento simples, baixo custo, pouco tempo de cadeira, método menos invasivo e não há necessidade de fazer a remoção total do tecido cariado. Os autores relatam que “a técnica de hall é uma abordagem restauradora indicada para dentes decíduos sem pulpite irreversível e sem sinais clínicos/radiográficos de abcesso”. Preste atenção neste detalhe “radiográfico”.
Portanto, a primeira dica prática que podemos retirar desse artigo é: é necessário fazer radiografia periapical mesmo que o dente não apresente sintomatologia nenhuma para ter certeza do diagnóstico de vitalidade pulpar. Não podemos esquecer que pode sim haver necrose pulpar sem sintomatologia presente e por isso que a metodologia do estudo incluiu radiografias interproximais e periapicais para todos os dentes selecionados. Além disso, os critérios de inclusão do estudo podem nos direcionar para também selecionar nossos casos no consultório. Os critérios de inclusão foram:
- Ausência de doença sistêmica
- Sem sintomas de pulpite irreversível os infecção periapical
- Reabsorção de no máximo 1/3 de raíz
- Lesão dentinária se extendendo radiograficamente até 1/3 médio da dentina
Já alguns dos critérios de exclusão do artigo, também podem nos direcionar para “não utilizar” as coroas, sendo que os critérios utilizados foram:
- Presença de sangramento na sondagem ao redor do dente
- Crianças com diagnóstico prévio de disfunção temporomandibular.
Leia também o post: Coroas de aço, diferentes técnicas…Diferentes resultados?
Passo a passo da Técnica de Hall: como fazer
O passo a passo utilizado no artigo foi exatamente o mesmo preconizado pela técnica original:
- Consentimento dos pais
- Explicação do procedimento para a criança
- Sem anestesia
- Escolha do tamanho da coroa (o menor número que encaixasse no dente)
- Elástico de separação foi colocado nas interproximais uma noite antes do procedimento
- Remoção dos elásticos e da placa bacteriana acumulada
- Cimentação da coroa com ionômero de vidro para cimentação e pedindo pra criança morder.
Possíveis alterações na articulação temporomandibular: o que observar
A colocação da coroa de aço com a técnica de hall, devido a não necessidade do preparo do dente até mesmo a face oclusal, faz com que no primeiro momento após a cimentação da coroa tenha um aumento da dimensão vertical. E o questionamento constante entre os profissionais é se isso afeta a criança devido a possíveis alterações na ATM a longo prazo. Na tentativa de responder essa pergunta, os autores realizaram medições do overbite em 4 momentos distintos: antes do tratamento, imediatamente após a colocação da coroa, 15 dias depois e 1 mês depois do tratamento com a técnica de Hall.
Os sintomas foram avaliados através do questionário de acordo com o Guia de orientação da AAPD: “Guideline da AAPD sobre “Desordens Temporomandibulares” revisado em 2019”.
Os sinais e sintomas avaliados no estudo foram (essa seria mais uma dica para sua pratica clínica caso queria saber se o paciente está tendo algum desconforto ou não):
- Dificuldade de abrir a boca
- Ouvir sons na articulação
- Dor no ouvido ou ao redor dele
- Dor ao falar ou mastigar
- Dor ao abrir bem a boca
- Desconforto ao mastigar ou falar
Sabe-se que um aumento pequeno da dimensão vertical se torna adaptável ao organismo, uma vez que muitos problemas ortodônticos são necessários realizar este aumento e os pacientes não têm queixa alguma. Uma vez não excedido o limite de 5mm para aumento da dimensão vertical com o uso da coroa, os autores relatam que há adaptabilidade clínica, não havendo problemas para o paciente. Assim, a conclusão do artigo foi que realmente a “Técnica de Hall não tem relação com alguma disfunção temporomandibular, apesar dos autores sugerirem a realização de novos estudos”.
“Por que este artigo é importante para os odontopediatra”.
- Sinais e sintomas de disfunção temporomandibilar não acontecem significativamente após um ano de tratamento com a técnica de Hall
- Desconforto de mordida após tratamento com técnica de Hall desaparecem um mês após a colocação da coroa
- Sinais de disfunção temporomandibular, como limitação de abertura da boca e desvio de mordida não se desenvolveram nos pacientes do estudo.
Esperamos que tenha gostado da leitura e desejamos sucesso nos tratamentos com coroa de aço!
Por Carla Pereira.